23 April 2010

COMO NÃO FALAR COM SEU FILHO

Educação Infantil - 09 de Abril de 2007


Thomas é um garoto de Nova York que cursa o equivalente à 4a série do ensino básico no Brasil. Ele cortou há pouco o cabelo cor de areia, que era comprido, para ficar parecido com o novo James Bond (levou uma foto de Daniel Craig ao barbeiro). Diferente de Bond, prefere usar calças cargo e uma camiseta estampada com a foto de um de seus heróis: Frank Zappa. Thomas anda com cinco amigos da escola. Eles são os "meninos inteligentes". Thomas é um deles e gosta de pertencer a um grupo. A esse grupo.

Desde que aprendeu a andar, ouve constantemente que é inteligente. Não são só seus pais que dizem isso, mas qualquer adulto que tenha contato com essa criança precoce. Quando se inscreveu no jardim-de-infância da escola Anderson, de Nova York, sua inteligência ficou estatisticamente comprovada. Para entrar na Anderson é preciso teste de Q.I., e apenas 1% dos candidatos é aprovado. Thomas não ficou apenas entre esse 1%. Ficou entre o primeiro 1% desse 1%.

Porém, ao longo de seus avanços na escola, essa consciência de que era inteligente nem sempre se traduzia em segurança para enfrentar o trabalho escolar. Na verdade, o pai de Thomas notou exatamente o oposto. "Thomas não queria tentar fazer coisas que achava que não conseguiria," diz o pai. "Conseguia resolver algumas coisas muito rapidamente, mas, quando não conseguia, desistia quase imediatamente e concluía: 'Não sou bom nisso'." Com apenas uma olhada, Thomas dividia o mundo em dois: as coisas em que era naturalmente bom e as em que não era.

Nas séries iniciais, por exemplo, como Thomas não soletrava muito bem, simplesmente se recusava a soletrar em voz alta. Quando Thomas viu frações pela primeira vez, hesitou. A maior barreira apareceu quando precisou aprender a usar letra cursiva. Durante semanas, nem sequer tentou. A essa altura, o professor já exigia que a lição de casa fosse feita em letra cursiva. Em vez de pôr em dia a caligrafia, Thomas se recusava terminantemente a tentar. O pai de Thomas tentou conversar com ele. "Não é só porque você é inteligente que não precisa se esforçar um pouco." (No fim, Thomas conseguiu aprender a usar a letra cursiva, mas foi preciso muita conversa).
Thomas não está sozinho. Há algumas décadas, é possível verificar que uma grande porcentagem dos alunos superdotados (os que ficam entre os primeiros 10% nos testes de aptidão) subestima seriamente a própria capacidade. Ao elogiar a inteligência dos filhos, os pais acreditam que estão solucionando o problema. De acordo com uma pesquisa feita pela Universidade Colúmbia, em Nova York, 85% dos pais americanos acreditam que é importante dizer aos filhos que eles são inteligentes. O elogio constante é tido como um anjo da guarda que assegura que as crianças não desperdicem seus talentos.

No entanto, várias pesquisas - e um novo estudo vindo das trincheiras do sistema público de educação de Nova York - evidenciam que pode ser o contrário. Rotular crianças como "inteligentes" não evita que tenham uma performance abaixo do esperado. Pode justamente estar causando isso.

Nos últimos dez anos, a psicóloga Carol Dweck e sua equipe da Universidade Colúmbia (ela agora está em outra universidade, Stanford, na Califórnia) estudaram o efeito do elogio sobre os estudantes de algumas escolas de Nova York. Carol mandou quatro assistentes de pesquisa para classes de Nova York. As pesquisadoras tiravam da classe uma criança de cada vez para um teste de Q.I. não-verbal fácil o suficiente para ser resolvido sem problemas. Quando a criança terminava o teste, as pesquisadoras contavam a nota ao aluno e diziam uma frase com um elogio. Divididos em grupos ao acaso, alguns eram elogiados pela inteligência. Diziam a eles: "Você deve ser bom nisso". Outros alunos eram elogiados pelo esforço: "Você deve ter se esforçado bastante".

Por que um elogio de apenas uma linha? "Queríamos demonstrar como as crianças são suscetíveis", explicou Carol. "Tínhamos um palpite de que uma frase seria o suficiente para ver o efeito."
Na segunda rodada os alunos puderam escolher o teste. Uma opção era um teste mais difícil que o primeiro, mas as pesquisadoras disseram às crianças que aprenderiam muito ao tentar resolver os problemas. A outra opção, o grupo de Carol explicou, era um teste fácil, exatamente como o primeiro. Dos que foram elogiados por seu esforço, 90% escolheram o teste mais difícil. Entre os que foram elogiados pela inteligência, a maioria escolheu o teste fácil. As crianças "inteligentes" buscaram a saída mais fácil.

Por que isso aconteceu? "Quando elogiamos a inteligência da criança", escreveu Carol no resumo de seu estudo, "na verdade dizemos a ela: pareça inteligente, não se arrisque a errar." Foi o que os alunos fizeram: escolheram parecer inteligentes e evitar o risco de se atrapalhar.

Em entrevistas posteriores, Carol Dweck descobriu que os que pensam que inteligência inata é a chave do sucesso começam a descartar a importância do esforço. Sou inteligente, raciocina a criança, não preciso me esforçar. Fazer esforço acaba ficando estigmatizado - é um prova concreta de que você não pode contar com seus dons naturais.

Os professores da Escola Secundária Life Sciences, no East Harlem, viram as teorias de Carol Dweck ser aplicadas a seus alunos. Na semana passada, Carol e sua seguidora Lisa Blackwell publicaram um relatório na revista acadêmica Child Development sobre os efeitos de uma intervenção de um semestre que visava melhorar as notas de matemática dos alunos.

A Life Sciences é uma escola voltada para ciências e saúde, com aspirações elevadas, mas com 700 alunos cujas características principais são pertencer predominantemente a minorias e baixo nível de aprendizado. Lisa Blackwell dividiu os alunos em dois grupos para um workshop com oito sessões. Para o grupo de controle, foram ensinadas técnicas de estudo. Os outros aprenderam técnicas de estudo e um módulo especial sobre como a inteligência não é inata. Esses alunos leram em turnos, em voz alta, um texto sobre como o cérebro cria novos neurônios quando é desafiado. Viram slides do cérebro e fizeram pequenas encenações. "Mesmo enquanto eu estava ensinando essas idéias", afirmou Lisa, "ouvia alunos brincando, um chamando o outro de imbecil ou idiota." Depois da conclusão do módulo, Lisa acompanhou as notas dos alunos para ver se havia feito algum efeito.

Não demorou muito. Os professores, que não sabiam quais alunos tinham ido para qual workshop, podiam apontar os alunos que tinham aprendido que a inteligência pode ser desenvolvida. Melhoraram os hábitos de estudo e as notas. Em um semestre, Lisa inverteu uma tendência de longa data de queda nas notas de matemática dos alunos.

A única diferença entre o grupo de controle e o grupo do teste foram duas aulas, um total de 50 minutos, ensinando não matemática, mas uma única idéia: que o cérebro é como um músculo. Se for posto para trabalhar, você fica mais inteligente. Só isso foi suficiente para melhorar as notas de matemática.

"Essas descobertas são muito convincentes," diz a doutora Geraldine Downey, da Universidade Colúmbia, especialista em suscetibilidade da criança à rejeição. "Mostram que é possível pegar uma teoria específica e desenvolver um currículo que funcione." O comentário de Geraldine ilustra o que outros especialistas na área dizem. A doutora Mahzarin Banaji, psicóloga social de Harvard, especialista em estereotipagem, disse: "Carol Dweck é um gênio. Espero que seu trabalho seja levado a sério. As pessoas ficam assustadas quando vêem esses resultados".

Desde a publicação do livro The Psychology of Self-Esteem (A Psicologia da Auto-Estima), em 1969, em que Nathaniel Branden afirmou que a auto-estima era a faceta mais importante de uma pessoa, a crença de que é preciso fazer o que for possível para conseguir uma auto-estima positiva tornou-se um movimento com efeitos sociais amplos. Qualquer coisa que fosse potencialmente prejudicial para a auto-estima das crianças foi eliminada. A competição passou a ser condenada. Técnicos de futebol pararam de contar gols e começaram a distribuir troféus para todos. Os professores jogaram a caneta vermelha fora. A crítica foi substituída por elogios generalizados ou até não merecidos.

O trabalho de Carol Dweck e Lisa Blackwell faz parte de um desafio acadêmico a um dos principais pressupostos do movimento pela auto-estima: que o elogio, a auto-estima e a performance sobem e descem juntos. De 1970 a 2000, surgiram mais de 15 mil artigos acadêmicos sobre a auto-estima e sua relação com tudo - de sexo a avanço na carreira. Mas os resultados eram muitas vezes contraditórios ou inconclusivos. Em 2003, a Association for Psychological Science pediu ao doutor Roy Baumeister, na época um dos principais defensores da auto-estima, para fazer a revisão da literatura. Seu grupo concluiu que a auto-estima estava contaminada por uma ciência distorcida. Apenas 200 desses 15 mil estudos seguiam os padrões rigorosos estabelecidos pelo grupo.
Depois de rever esses 200 estudos, Baumeister concluiu que ter auto-estima alta não melhorava notas ou realizações na carreira. Nem mesmo diminuía o abuso do álcool. E, principalmente, não diminuía a violência de nenhum tipo. (Pessoas muito violentas ou agressivas geralmente têm uma opinião muito boa sobre si mesmas, o que derruba a teoria de que as pessoas são agressivas para compensar a baixa auto-estima.) Na época, Baumeister teria dito que suas descobertas eram "a maior decepção de sua carreira".

Agora, ele está do lado de Carol Dweck na discussão, e seu trabalho caminha em uma direção parecida: em breve vai publicar um artigo mostrando que, para estudantes universitários que estão à beira da reprovação, os elogios para melhorar a auto-estima fazem com que suas notas piorem ainda mais. Baumeister passou a acreditar que o apelo contínuo da auto-estima está em grande medida amarrado ao orgulho dos pais pelas conquistas de seus filhos. É uma coisa tão forte que, "quando elogiam os filhos, é como se estivessem elogiando a si mesmos".

De maneira geral, a literatura sobre o elogio mostra que ele pode ser eficaz, uma força motivadora e positiva. Em um estudo, pesquisadores da Universidade de Notre Dame testaram a eficiência do elogio em um time de hóquei universitário que estava perdendo. O experimento funcionou: o time empatou. Mas nem todo elogio é igual e, como demonstrou Carol Dweck, os efeitos podem variar significativamente dependendo do elogio que se faz. Para ser eficaz, os pesquisadores descobriram, o elogio precisa ser específico. (Os jogadores de hóquei foram elogiados especificamente pelo número de vezes que bloquearam o adversário).

A sinceridade do elogio também é crucial. Assim como podemos sentir o cheiro de um elogio dúbio ou de uma desculpa esfarrapada, as crianças também examinam cuidadosamente o elogio atrás de segundas intenções. Apenas crianças pequenas, com menos de 7 anos, aceitam diretamente um elogio. Crianças mais velhas são tão desconfiadas quanto adultos.

O psicólogo Wulf-Uwe Meyer, um pioneiro na área, levou a cabo uma série de estudos em que crianças viam outros alunos ser elogiados. De acordo com as descobertas de Meyer, aos 12 anos as crianças acreditam que ganhar um elogio de um professor não significa necessariamente que você fez alguma coisa de maneira correta. Pode ser sinal de que você não tem capacidade suficiente e o professor acha que você precisa de um incentivo extra. Adolescentes, Meyer descobriu, descartavam o elogio de tal maneira que acreditavam que era a crítica do professor - e não o elogio - que expressava uma atitude positiva em relação à aptidão do aluno.

Na opinião do cientista cognitivo Daniel T. Willingham, um professor que elogia um aluno pode estar involuntariamente mandando a mensagem de que o aluno chegou ao limite de sua capacidade inata, ao passo que o professor que critica o aluno transmite a mensagem de que ele pode melhorar sua performance ainda mais.

A professora de Psiquiatria da Universidade de Nova York Judith Brook explica que é uma questão de credibilidade. "O elogio é importante, mas não o elogio vazio", diz. "Precisa ser baseado em alguma coisa real, alguma habilidade ou talento que a criança tenha." Quando crianças ouvem elogios que interpretam como não-merecidos, não descartam apenas o elogio que não é sincero, mas o sincero também.

Novos estudos mostram que elogiar uma criança nem sempre é o melhor para ela

Especialistas do Reed College, da cidade de Portland, e da Universidade Stanford revisaram mais de 150 estudos sobre o elogio. A análise determinou que alunos que são elogiados sem critério desenvolvem aversão a riscos e têm falta de percepção da autonomia. Os especialistas encontraram correlações consistentes entre o uso indiscriminado do elogio e alunos que "têm menor persistência nas tarefas, que olham mais para o professor em busca de aprovação e que falam de uma forma que as respostas têm entonação de pergunta".
A pesquisa de Carol Dweck com crianças excessivamente elogiadas demonstra que a manutenção da imagem se torna a principal preocupação - elas são mais competitivas e estão mais interessadas em derrubar os outros. Uma leva de estudos ilustra isso. Em um deles, os alunos fizeram dois testes. Entre o primeiro e o segundo, puderam escolher entre aprender uma nova estratégia para resolver os problemas para o segundo teste ou saber como foram no primeiro teste comparados às outras crianças: eles teriam tempo apenas para fazer um ou outro. Os alunos elogiados pela inteligência escolheram saber sua posição no ranking da classe em vez de usar o tempo para se preparar.

Em outro, os alunos recebem um boletim para ser preenchido por eles mesmos e são informados que esses boletins serão enviados para alunos de outra escola - eles nunca vão encontrar esses alunos e não sabem seu nome. Dos alunos elogiados pela inteligência, 40% mentem, aumentando suas notas. Dos alunos elogiados pelo esforço, poucos mentem.

Meu filho Luke está no jardim-de-infância. Ele parece ser supersuscetível ao julgamento em potencial de seus colegas. Luke se justifica dizendo"sou tímido", mas ele não é tímido de verdade. Não tem medo de cidades diferentes ou de falar com estranhos e, na escola, cantou diante de grandes platéias. Na verdade, eu diria que ele é orgulhoso e gosta de causar boa impressão. O uniforme da escola é simples (camiseta e calça azul-marinho), e ele adora o fato de que seu gosto para roupas não pode ser ridicularizado, "porque eles estariam caçoando de si mesmos".

Depois de ler a pesquisa de Carol Dweck, comecei a mudar a forma como o elogiava, mas não totalmente. Acho que minha hesitação foi porque a mentalidade que Carol quer que os alunos tenham, a convicção de que a maneira de reagir ao fracasso é se esforçar mais, soa terrivelmente como um clichê: continue tentando.

Acontece que a capacidade de responder repetidamente ao fracasso se esforçando mais - em vez de simplesmente desistir - é uma característica bem estudada pela psicologia. Quem tem essa característica, a persistência, reage bem e consegue se manter motivado por bastante tempo quando a recompensa não é imediata. Mergulhando nessa pesquisa, aprendi que a persistência na verdade é mais que um ato consciente da vontade. É também uma resposta inconsciente, comandada por um circuito no cérebro. O doutor Robert Cloninger, da Universidade de Washington, em St. Louis, localizou o circuito em uma parte do cérebro chamada córtex orbital e medial pré-frontal.

Ele monitora o centro de recompensa do cérebro e, como um interruptor, intervém quando não há uma recompensa imediata. Quando está ligado, diz ao resto do cérebro: "Não desista. Há dopa (a recompensa química do cérebro para o sucesso) à vista". Através de exames de ressonância magnética, Cloninger pôde ver esse interruptor acendendo regularmente em algumas pessoas. Em outras, quase nunca.
Isso me convenceu. Achava que "viciado em elogio" era apenas uma expressão - mas, de repente, tive a impressão de que poderia estar programando o cérebro de meu filho para uma verdadeira dependência química de recompensa constante.

Elogiar virou uma espécie de cura para as ansiedades dos pais modernos. Ficamos longe dos filhos da hora do café-da-manhã ao jantar e queremos compensar quando chegamos em casa. Nessas poucas horas juntos, queremos que eles ouçam coisas que não pudemos dizer durante o dia. Estamos com você, pode contar conosco, acreditamos em você.
De uma forma parecida, colocamos nossas crianças em ambientes com muita pressão, buscando as melhores escolas que pudermos encontrar e depois usamos o elogio constante para amenizar a intensidade desses ambientes. Esperamos tanto deles, mas escondemos nossas expectativas atrás de constantes elogios reluzentes. A duplicidade ficou evidente para mim.

Por fim, na fase final de minha recaída de elogio, percebi que, ao não dizer a meu filho que ele era inteligente, dava a entender que estava deixando aquilo com ele, ele é quem deveria chegar a sua própria conclusão sobre sua inteligência. Precipitar-se com elogios é como interferir muito rapidamente com a resposta para um problema da lição de casa - tira dele a chance de deduzir por si mesmo.
E se ele chegar à conclusão errada? Será que posso deixar por conta dele, nessa idade?
Ainda sou um pai ansioso. Hoje de manhã, fiz um teste a caminho da escola. "O que acontece com seu cérebro quando pensa em alguma coisa difícil?"
"Ele cresce, como um músculo", respondeu Luke.
(Época)

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